Crónicas "C'um Caneco"

As primeiras 10 Crónicas
Eugénia Epifânia tinha acordado confusa. E dorida. Se a sensação de evasão mental tinha uma explicação lógica, ainda que não imediata, já a profusão de dor após o último par de costelas causava, mais que estranheza, preocupação.
Eugénia, bem olhou para o fundo e em redor dos seus aposentos, na esperança de decifrar alguma pista ou que algo lhe iluminasse o que poderia ter ocorrido na obscuridão em que se tornaram as últimas quatro horas da sua, já por si, desregrada vida, tal como seu pai a costumava, de forma simpática apelidar. Mas nada. Nada mesmo. A última (e única) coisa que se lembrava foi de dizer a alguém que aquele copo de final de noite é que lhe tinha feito mal. E de o repetir, vezes sem conta. Depois disso era uma imensa branca.
Os raios de sol penetravam, quais flechas lancinantes os seus olhos amêndoa, que herdara da mãe, através da primeira fiada de frinchas de um mal amanhado estore, que já não tinha a companhia do vidro da janela, partido numa das últimas discussões com o marido, amante e chulo, Tobias.
Tobias era o seu homem. O Homem, ora com agá grande ora com agá pequeno. O papel que representava na sua vida variava conforme os humores deste ou dos dias da semana. Certo, certo, é que entre segundas e quintas Tobias não aparecia. Mandava um dos seus “Streetdogs” fazer a coleta do que Epifânia tinha amealhado nessas 3 noites.
Mas aquela era uma manhã dominical. Por norma, Tobias costumava estar a seu lado nos dias santos. Mas por que raio não estaria naquele? Esta dúvida seria mais tarde desfeita, da pior maneira possível, através de uma chamada da esposa de Tobias que a avisara que a “bófia” estaria a caminho de sua casa, para lhe fazer “umas perguntinhas”. O tom de voz de Vanessa, embora preocupado, não escondia uma certa satisfação de alguma forma escabrosa. Vanessa era um dos vértices do triângulo da vida de Epifânia e de Tobias. O vértice oficial.
A confusão instalava-se e estalava cada vez mais a cabeça de Epifânia. O que quereria a “judite” saber dela? Porque telefonaria Vanessa? Onde estava Tobias? O que teria acontecido naquelas últimas horas? E porque raio lhe doíam os quadris?
Depois de um banho mal amanhado, que apenas serviu para que ficasse, ainda mais, a questionar a sua dupla e cruel existência, Eugénia Epifânia vestiu, apenas e com desleixo, uma camisa XL beije sob a tez branca, tornando-a ainda mais pálida do que realmente estava.
Após o telefonema “da outra”, e sabendo que a polícia não tardaria a bater à porta, ainda pensou em pegar na velha mala, que por tantas batalhas tinha passado, despejar lá para dentro a (pouca) roupa que tinha e que se encontrava nas gavetas da cómoda, e fugir. Mas assim não poderia saber, pelo menos tão depressa quanto a curiosidade de uma mulher o permite, porque quereriam falar com ela e, mais importante, o que é que Tobias tinha a ver com o caso. Sim, porque para ser Vanessa a ter-se dado ao trabalho de lhe telefonar, é porque o Tobias estava metido em alguma confusão, que não deveria ser tão pequena quanto isso. E, de qualquer maneira, iria dar à sola porquê? Não tinha feito nada de mal! Bem, pelo menos que se lembrasse...É que aquela janela de 4 horas da madrugada anterior continuavam a ser um profundo buraco negro de lembranças.
Enquanto fumava “um pensativo cigarro”, ouviu a porta da rua brotar um esgar de dor, enquanto uma voz alta, firme e clara ordenava que abrisse a porta. Tinha chegado a polícia. Nervosa, com a beata trémula entre os amarelecidos dedos, abriu a porta, deparando-se com um tipo que nada tinha a ver com a voz que instantes antes ecoava pelo sala. Era Rodolfo. O Inspector Rodolfo da Judiciária, ladeado por mais dois agentes, ambos de casaco de cabedal rafado, e barba de três dias, a contrastar com a delicadeza da aparência do Inspector.
De imediato um gélido arrepio galgou toda a espinha de Eugénia. Alguma coisa lhe dizia que tempos problemáticos se avizinhavam. E não seriam financeiros...
Um quarto de hora, apenas um quarto de hora, foi o tempo que passou entre Eugénia ter o Inspector Rodolfo em frente a si, junto à sua porta, e este continuar igualmente à sua frente, mas agora numa sala de interrogatório da Polícia Judiciária.
Afinal a casa de Eugénia distava apenas cerca de 800 metros da Sede da PJ, tendo, praticamente levado mais tempo a descer as escadas do seu prédio com as mãos algemadas, do que própriamente o transporte entre os dois locais, na viatura baforenta da bófia.
Eugénia olhava para os seus pulsos e sorria. Ainda conseguia sorrir. “O que será que ainda fazia quela mulher sorrir”, questionava-se o inspector achando intrigante, mas ,ao mesmo tempo, cúmplice aquele esgar malandro na face daquela mulher que tinha algo de exótico.
Mal sabia ele, que o sorriso de Eugénia Epifânia ao mirar o par de algemas lhe trazia à memória alguns momentos completamente loucos passados com Tobias. Era um sorriso mais erótico do que exótico.
O sorriso durou pouco. O Inspector Rodolfo, após rápida e meticulosa análise da envolvente humana, levantou-se impulsivamente, e do alto dos seus mal medidos, por excesso, 165 cm, fitou Eugénia no mais profundo dos seus olhos, e sem perder tempo, puxou a culatra atrás e disparou:
- Minha Senhora! Como já deve ter reparado a sua situação não é nada famosa. Por isso, é do seu total interesse que acabemos com isto de forma rápida. Portanto, diga-me lá: Porque matou o Sr. Tobias de Andrade? Ciúme? Dinheiro?
Eugénia Epifânia gelou! Congelou!! Mas o que se passava? Do que é que a estavam a acusar? O Tobias...o seu Tobias tinha morrido? E assassinado?!...
- Desculpe Sr. Inspector, mas não estou a preceber – balbuciou, entre alguns tímidos soluços, que rapidamente perderam e vergonha – Está-me a dizer que o Tobias está...está...morto?
- Sra. Eugénia Epifânia! Não torne as coisas mais difíceis! vocifrou Rodolfo, alteando a voz.
Eugénia estava à beira de um ataque de nervos. Tobias estava, ao que lhe diziam, morto. Assassinado. Tinha à sua frente um Inspector da “Judite”, que a acusava de ter praticado tal acto;  E continuava com uma branca enorme no que à noite anterior dizia respeito, em particular durante aquelas 4 malditas horas.
E se...e se?... não! Não podia ser. Eugénia não queria acreditar naquilo que lhe tinha acabado de passar pela cabeça. E se, durante aquelas 4 horas, algo de muito grave se tivesse passado? Algo de tão grave como...a...a morte de Tobias! E será que tinha sido ela? Não! Não poderia ser!
Nunca, em circunstância alguma, Eugénia cometeria tal acto, ainda mais com o “seu” Tobias. Nem com a mais valente das cardinas ou com uma brutal pedrada.
Eugénia esforçou-se por explicar ao Inspector Rodolfo isso mesmo.
Contou-lhe a sua relação com Tobias, todas as aventuras e desventuras que com ele tinha passado, a relação azeda que mantinha com Vanessa - a “oficial” de Tobias, agora viúva – e o que se tinha passado na última noite. Disse-lhe, ainda, que a última vez que tinha estado com Tobias tinha sido no apartamento, há 3 dias atrás, durante a tarde de 6ª feira, e que depois disso nunca mais lhe tinha posto a vista em cima. Aliás, nem a vista nem mais nada, gracejou, conseguindo incomodar, de certa forma, o Inspector.
Após cerca de 30 longos minutos a deixar Eugénia Epifânia falar sem interrupção, Rodolfo, que andava irritantemente de um lado para o outro, abeirou-se da cadeira de Eugénia, encostou-se à quina da velha mesa castanha, puxou de um cigarro e, fitou aquela mulher que ali se encontrava. Por muito que tentasse disfarçar, Rodolfo não evitava que os seus olhos deslizassem para os seios de Eugénia, e cujos mamilos quase trespassavam a fina camisola.
E Eugénia, sabida e experiente nestes assuntos, já o tinha topado.
Rodolfo, cada vez mais com os olhos arregalados e descaídos para o peito de Eugénia, deu duas profundas passas no largo Gittannes, não disfarçando o seu real nervosismo. Até os colegas o estavam a estranhar. Rodolfo nunca tinha aquele tipo de atitude, e muito menos adoptava aquela postura de falso descontraído. Era óbvio que aquela mulher mexia com ele. Definitivamente.
-Cara Sra. Eugénia! Afirmou aqui, perante todos nós, que não vê o Sr. Tobias há 3 dias, portanto, desde Quinta-feira, certo?
- Não, Sr. Agente. Não o vejo desde a tarde de 6ª feira, Sr. Inspector. Uma grande e bem passada tarde, diga-se de passagem – afirmou de forma insinuante mas serena. E de sexta até hoje, Domingo, são 3 dias. Afirmou Eugénia, não caindo na pergunta amanteigada do Inspector. E já agora, embora eu seja uma Senhora, não precisa de me tratar com tal deferência. É que me faz parecer mais velha, e como sabe, tenho apenas 26 joviais anos.
Rodolfo, acabara de ficar completamente “à nora” com a resposta e o à vontade desconcertante de Eugénia Epifânia. Não só pela astúcia demonstrada até àquele momento, como também, e principalmente, com alguns dos apartes e com o requinte de linguagem, com que aquela mulher o brindava de quando em vez. Vinte e seis anos. Apenas menos sete que ele, que tinha acabado de atingir a idade de Cristo. Só não sabia ainda era o peso da cruz que iria carregar nos tempos mais próximos.
A sala da PJ, de um momento para outro, ficara vazia. Apenas Eugénia lá continuava, mantendo o ambiente, ainda relativamente quente. Rodolfo e os seus agentes tinham-se ausentado, momentaneamente, para um compartimento anexo, imune a olhares indiscretos e longe dos ouvidos de toda a corporação. O momento era delicado, contrastando com Rodolfo que estava prestes a partir a loiça toda.
- Foda-se! Exclamou. Nada bate certo nesta história! E nós? O que temos? Nada! Nada!!
- Desculpe Inspector, mas não concordo consigo.
Tobias arregalou os olhos e fitou aquele que era o agente mais velho no activo, e conhecido pelo seu sentido de humor, que utilizava, por norma, nas alturas mais inconvenientes. Matos Leitão era o seu nome. Com ele ninguém conseguia meter uma piada, para além da já gasta promoção a Porco que nunca mais saía. Aliás, nem essa nem a outra. A profissional.
- Acho até que temos muita coisa - continuou o agente Leitão. Senão vejamos: temos um cadáver de um chulo, a sua mulher e a amante. E sabemos que ambas esgalham à noite. Parece-me óbvio que temos 50% de probabilidades de acertar na mouche. Se aguardarmos pelos resultados do laboratório, tenho a certeza que saberemos logo qual delas limpou o sebo ao homem...
- Achas? Perguntou Tobias. Sinceramente, acho que não. Há muita coisa que não joga aqui. Tudo nos levou a crer que tivesse sido a puta. Principalmente depois de termos falado com a mulher da vítima. Agora, e depois do interrogatório à Epifânia, custa-me a crer...De qualquer maneira, acho que temos de interrogar a Vanessa outra vez. Nela tudo foi demasiado óbvio. Principalmente a fazer crer que a amante do marido era a responsável por isto tudo... e se calhar até é! Mas indirectamente. Vais ver que o laboratório me vai dar razão. Antes de eu dar “alta” à Eugénia, pede à toxicologia que lhe faça recolhas. De alto a baixo! – ordenou Rodolfo.
- Mas, mas... Inspector...vai deixar a mulher ir embora?
- Claro que vou! Tudo o que ela disse é perfeitamente plausível e nós não temos nenhuma prova contra ela. A única coisa que tenho a certeza é que ela gramava o chulo à brava. Até demais! E quase que aposto que os resultados da toxicologia a vão ilibar. Ou não...
Rodolfo abriu a porta maciça que separava as salas, e dirigindo-se a Eugénia, colocou-a a par da situação, agora de uma forma já mais simpática do que as abordagens anteriores.
- Quando quiser pode sair. Pedia-lhe apenas que aguardasse alguns minutos para a nossa equipa médica lhe faça alguns exames e proceda a umas pequenas recolhas de material para análise. Pressuponho que o fará de forma voluntária, não?
- Claro que sim, Inspector. Agradeço-lhe até! Já agora, e se me permite a pergunta, essas análises vão revelar o porquê de eu não me lembrar de nada do que se passou ontem à noite?
- Vamos ver, vamos ver! Entretanto, se precisar de alguém para depois a levar a casa, diga-me que um dos meus homens encarregar-se-á disso.
- Não, Inspector. Não é preciso. Eu moro aqui bem perto, como sabe. Vai-se bem a pé. Agora se o Inspector me quiser acompanhar, de certeza que não recusarei tão calorosa oferta...
As pernas de Rodolfo tremeram que nem as de um poldro acabado de nascer! Não esperava por uma sugestão daquelas! Aliás, aquilo era mais um convite descarado do que uma sugestão...E, por outro lado, já tinha combinado com os colegas ir beber uns “birinaites”, mas...
O entardecer daquele dia em Lisboa estava particularmente bonito. Os últimos raios, alaranjados, de sol trespassavam por entre janelas, varandas e varandins de prédios antigos, realçando as formas minotáuricas esculpidas na pedra, com que algumas destas construções alfacinhas foram brindadas nas décadas de 50 e 60 do século passado. Lisboa, naquele Domingo, encontrava-se ainda mais romântica.
Entre as instalações da Judiciária e o apartamento de Eugénia, distavam apenas cinco ou seis prédios, intercalados por duas pastelarias, uma delas modernaça, daquelas que vendem pão quente a toda a hora, uma taberna típica, do Sr. Alípio, e o quiosque Saphar. Ah, e faltava a Funerária. Aquela cujo dono a tinha batizado de “Cá Te Espero”.
A zona era conhecida tanto por Eugénia, que aí vivia, como por Rodolfo, que aí passava grande parte do seu dia. Os dois caminhavam calma e serenamente pelo passeio estreito, aqui e ali obstruído por carros que teimavam em estar mal estacionados. Por ironia, alguns deles, pertenciam mesmo à polícia...
Rodolfo, como que impulsionado por uma força desconhecida, tinha inventado uma desculpa esfarrapada para com os seus colegas, e tinha aceite a sugestão de Eugénia para que a acompanhasse até ao seu prédio. Os subordinados do Inspector tinham ficado boquiabertos. Pela segunda vez no mesmo dia, foram surpreendidos pelo chefe. Aquele tipo carrancudo tinha passado a cordeirinho em apenas algumas horas de interrogatório a Eugénia Epifânia.
- Não há dúvida! Exclamou Matos Leitão. O nosso Inspector está apanhado. E pela assassina. Agora que vai passar um bom bocado...ai, ai..ui, ui... disso não duvido. Só espero que não lhe “palite” os dentes com um picador de gelo. Lembram-se daquele filme com a loura boa que sabe como cruzar as pernas?
- Simmmmmmmmm, exclamaram os outros agentes! Já conheciam a fixação de Matos Leitão pela Sharon Stone há muito tempo. Até diziam que o Leitão tinha ficado vesgo por isso mesmo, tanta vez o homem já tinha visto (e revisto) a cena do cruzamento de pernas de todos os ângulos. Pensam até que o colar cervical que usou durante duas semanas, há uns anos atrás, a isso se deveu...
Mas eles estavam preocupados mesmo era com o Inspector...
Uma vez chegados à entrada do antigo edifício onde Eugénia vivia, cujas rachas na fachada principal se assemelhavam a separados lábios a pedir ajuda para sarar aquelas feridas, Rodolfo abeirou-se daquela mulher, colocou-lhe um braço por cima do ombro direito, apoiando a mão na parede, e numa profunda inspiração disse-lhe, quase em tom de sussurro, que estava entregue e em segurança. Eugénia, pela primeira vez desde que este maldito Domingo tinha dado sinais de vida, sentiu-se, agora sim, realmente detida. Presa. Amarrada. Aquele braço, que nem sequer estava em contacto com o seu corpo, emitia uma energia atrativa de alta intensidade emocional. Completamente magnetizante. Por alguns instantes a figura de Tobias não lhe toldou a mente.
De modo algo envergonhado, mesmo com algum embaraço, arriscou convidar o Inspector para um café, fazendo figas para que ainda houvesse algum na lata, onde o costumava misturar com xicória.
O Inspector Rodolfo parecia que estava já à espera daquele convite, tal foi a rapidez com que o aceitou. Foi, igualmente, uma forma de aliviar a tensão que se tinha apoderado de Eugénia, mulher habituada a lidar, desde há muito, com todo o tipo de homens, mas que, por alguma razão que lhe estava a passar completamente ao lado, não estava a conseguir dominar a situação que se lhe deparava.
Após um ligeiro impasse, que passou pela atrapalhação com que Eugénia passou por baixo do braço, que Rodolfo, teimosa e propositadamente tinha deixado ficar encostado à parede, lá subiram os dois, até ao segundo piso, pelas velhas escadas de madeira.
Como sempre acontecia, Eugénia Epifânia teve que pousar a sua bolsa sobre o corrimão, de modo a poder procurar a chave de casa por entre toda a tralha que carregava dentro da mala, tal qual como a maioria das mulheres. Finalmente, e após ter despejado quase tudo cá para fora, lá apareceu a dita cuja. Num ápice, fez ranger a chave na fechadura, rodando-a de forma abrupta e puxando a porta para si, para de seguida a empurrar com uma joelhada e a abrir.
De imediato, soltou um grito assustado. Rodolfo, também apanhado de surpresa com aquele grito, entrou de forma atrapalhada pelo apartamento, onde, ao fundo do corredor, se encontrava Vanessa, a viúva oficial de Tobias, naquilo que se podia chamar, em gíria, a fazer uma “espera”. Não contava, entretanto, era que Eugénia estivesse acompanhada pelo Inspector da Polícia, a quem naquela manhã, bem cedo, já tinha prestado declarações.
Durante alguns segundos, pairou no ar um ambiente mesclado entre a surpresa, comum aos três, e a aflição de Vanessa em tentar arranjar uma boa desculpa (mas mesmo boa), para estar ali naquele local. Não por Eugénia, mas sim pela presença do Inspector, pessoa que ela nunca imaginaria ali encontrar. Ainda para mais com tudo o que tinha acontecido nas horas anteriores e com o interrogatório a que já tinha sido submetida, e que decorreu bem antes do de Eugénia.
O Inspector Rodolfo, qual camaleão, tornou a transparecer o seu ar altivo, austero e rude, que durante o tempo que tinha acompanhado Eugénia a casa tinha dado lugar a uma gentileza e simpatia nada comum nele.
- Cara D. Vanessa!! Uma grande surpresa a sua presença aqui. Ou, pensando melhor, nem será assim tão grande. Mas antes disso, permita-me que lhe pergunte como entrou nesta casa, com autorização de quem e com que intenções?
Enquanto Eugénia encostava o seu corpo à parede mal caiada da casa, Vanessa com ar atrapalhado e comprometido, tentou fitar o Inspector nos olhos, retorquindo da melhor maneira que lhe era possível:
- Caro Inspector! Realmente é uma surpresa vê-lo por aqui. Por ventura, até maior que a do senhor. O facto é que me desloquei aqui a casa para falar com essa “menina”, uma vez que, ao que parece, ela conhecia muito bem o meu querido e falecido marido. E uma vez que me chegou aos ouvidos que com ele tinha estado na noite passada, queria que ela me explicasse, olhos nos olhos, o que aconteceu e porque cometeu tal acto. O modo como aqui entrei apenas se deve ao facto de ter descoberto uma chave com as iniciais “EE” gravadas. Ora como de burra não tenho nada, essas iniciais só podiam ser de Eugénia Epifânia.
- Cara D. Vanessa! Interrompeu Rodolfo. Antes de mais, permita-me que lhe diga que esta Senhora que aqui está (enfatizando a palavra “Senhora”) não teve nada a ver com a morte do seu marido. E, em segundo lugar, com chave ou sem ela, acabou de entrar em propriedade alheia, que como bem sabe, e uma vez que de burra não tem nada (enfatizando de novo, agora na palavra “burra”), é um crime grave. Num ápice, virou-se para Eugénia e perguntou-lhe: A senhora deu autorização à D. Vanessa para entrar em sua casa?
Eugénia, apenas abanou a cabeça para os lados. Rodolfo insistiu: A senhora deu autorização à D. Vanessa para entrar em sua casa? Respirando fundo, e ainda meio atordoada com a cena que ali decorria, Eugénia soltou um enérgico “Não”.
Rodolfo, dirigiu-se então para junto de Vanessa, agarrou-lhe os dois braços de forma enérgica dizendo-lhe: - lamento mas está detida por invasão de propriedade alheia!
Depois de ter algemado Vanessa, voltou-se e mirou Eugénia com um olhar algo confuso entre o dever profissional e a pena por não poder passar algum tempo mais na sua companhia. Num suave e quase terno tom de voz, pediu-lhe que no caso de se lembrar de algo mais saberia onde o encontrar, e que fosse descansar que o dia tinha sido duro.
Foi uma despedida acelerada que nenhum dos dois estava à espera. Cruel mesmo..