Vem este post a propósito de um conjunto de tweets trocados durante o dia de hoje, e que versavam, e muito bem, sobre o uso de rolhas de cortiça nas garrafas de vinho, e que, na minha ótica, vai muito mais além disso. Como se sabe, a cortiça é-nos proporcionada pelo Sobreiro (Quercus suber), espécie esta que faz parte natural da vegetação arbórea da Península Ibérica, e em particular das zonas alentejana, andaluza e raiana (portuguesa e espanhola).
Embora não pareça, o Montado de Sobro e Azinho constitui um dos mais ricos ecossistemas do planeta, por constituir um habitat natural para várias espécies de vertebrados - aves (algumas rapinas como o Falcão-peregrino Falco peregrinus, e a Coruja-das-torres Tyto alba, outras estepárias, como o Sisão Tetrax tetrax e a Abetarda Otis tarda), mamíferos (lebres, coelhos, javalis, morcegos arborícolas, etc…) e répteis - bem como pela existência de um coberto e sub-coberto vegetal (pastagens naturais), encontrando-se em forte declínio, ainda que de forma mais acentuada, em Portugal. O coberto arbóreo original no nosso país não tem nada a ver com o dos dias de hoje. Assim, onde há algumas centenas de anos atrás, de norte a sul do país, se encontravam várias espécies da família das Quercíneas, tais como o Carvalho-negral (Quercus pyrenaica), o Carvalho-alvarinho (Quercus ruber), o Carvalho-cerquinho (Quercus faginea), o Carrasco (Quercus coccifera), a Carvalhiça (Quercus lusitanica), a Azinheira (Quercus rotundifolia ) e, o já mencionado Sobreiro (Quercus suber), encontramos hoje vastas plantações de pinheiros bravos (Pinus pinaster), mansos (pinus pinea) e eucaliptos (várias espécies).
Centremos pois a nossa atenção no Sobreiro: Esta árvore, cujo revestimento (casca) é a cortiça, tem um papel de grande importância na preservação e manutenção do equilíbrio ecológico nas zonas onde existe, e que pode ser caracterizado, em primeiro lugar, pela barreira natural que constitui contra os incêndios (que são “naturais” nos países mediterrânicos, sendo que a cortiça tem uma enorme resistência ao fogo, protegendo a árvore num 1º nível, e, consequentemente, a um 2º nível, a floresta como um todo); é uma espécie de crescimento lento, o que permite que, de forma natural, tudo à sua volta, ou na sua dependência, tenha um normal desenvolvimento. E, finalmente, tem uma importância económica estrondosa, constituindo-se a cortiça um dos produtos portugueses mais exportados, sendo que até há pouco tempo, era mesmo o mais exportado.
É um ótimo exemplo em como a Economia e a preservação do Ambiente estão em perfeita simbiose.
E eis que chegamos à rolha: um dos maiores aproveitamentos da indústria corticeira é o fabrico de rolhas, principalmente para a indústria vitícola. E não se usam só rolhas em cortiça unicamente para rolhar as garrafas, mas também porque as características físico-químicas da cortiça são as ideais para a conservação das características organolépticas do vinho.
Ao se abdicar da utilização de rolhas de cortiça entramos no início de uma cadeia que levará à extinção do Sobreiro, uma vez que, e de uma forma simplista:
1) a indústria corticeira baixa a produção de rolhas baixando os seus lucros;
2) menos cortiça é usada;
3) mais sobreiros ficam ao abandono;
4) a recolha da cortiça não é feita;
5) as pragas e doenças do sobreiro acabam por tomar conta dos mesmos; e
6) os sobreiros acabam por morrer.
Posteriormente, a longo-prazo, e tal como aconteceu e acontece no norte do país, as florestas autóctones de carvalhos dão lugar a plantações em massa de pinheiros e eucaliptos.
E de uma coisa tenho quase a certeza: nunca iremos ser conhecidos no mundo pela qualidade da nossa cola ou de outros produtos que tenham a resina como matéria-prima principal. Portanto, é tempo de inverter, de uma vez por todas o título deste post para: “da resina à cortiça, da cola à rolha”.