25/11/09

Da cortiça à resina, da rolha à cola

Vem este post a propósito de um conjunto de tweets trocados durante o dia de hoje, e que versavam, e muito bem, sobre o uso de rolhas de cortiça nas garrafas de vinho, e que, na minha ótica, vai muito mais além disso. Como se sabe, a cortiça é-nos proporcionada pelo Sobreiro (Quercus suber), espécie esta que faz parte natural da vegetação arbórea da Península Ibérica, e em particular das zonas alentejana, andaluza e raiana (portuguesa e espanhola).

Embora não pareça, o Montado de Sobro e Azinho constitui um dos mais ricos ecossistemas do planeta, por constituir um habitat natural para várias espécies de vertebrados - aves (algumas rapinas como o Falcão-peregrino Falco peregrinus, e a Coruja-das-torres Tyto alba, outras estepárias, como o Sisão Tetrax tetrax e a Abetarda Otis tarda), mamíferos (lebres, coelhos, javalis, morcegos arborícolas, etc…) e répteis - bem como pela existência de um coberto e sub-coberto vegetal (pastagens naturais), encontrando-se em forte declínio, ainda que de forma mais acentuada, em Portugal. O coberto arbóreo original no nosso país não tem nada a ver com o dos dias de hoje. Assim, onde há algumas centenas de anos atrás, de norte a sul do país, se encontravam várias espécies da família das Quercíneas, tais como o Carvalho-negral (Quercus pyrenaica), o Carvalho-alvarinho (Quercus ruber), o Carvalho-cerquinho (Quercus faginea), o Carrasco (Quercus coccifera), a Carvalhiça (Quercus lusitanica), a Azinheira (Quercus rotundifolia ) e, o já mencionado Sobreiro (Quercus suber), encontramos hoje vastas plantações de pinheiros bravos (Pinus pinaster), mansos (pinus pinea) e eucaliptos (várias espécies).

Centremos pois a nossa atenção no Sobreiro: Esta árvore, cujo revestimento (casca) é a cortiça, tem um papel de grande importância na preservação e manutenção do equilíbrio ecológico nas zonas onde existe, e que pode ser caracterizado, em primeiro lugar, pela barreira natural que constitui contra os incêndios (que são “naturais” nos países mediterrânicos, sendo que a cortiça tem uma enorme resistência ao fogo, protegendo a árvore num 1º nível, e, consequentemente, a um 2º nível, a floresta como um todo); é uma espécie de crescimento lento, o que permite que, de forma natural, tudo à sua volta, ou na sua dependência, tenha um normal desenvolvimento. E, finalmente, tem uma importância económica estrondosa, constituindo-se a cortiça um dos produtos portugueses mais exportados, sendo que até há pouco tempo, era mesmo o mais exportado.
É um ótimo exemplo em como a Economia e a preservação do Ambiente estão em perfeita simbiose.

E eis que chegamos à rolha: um dos maiores aproveitamentos da indústria corticeira é o fabrico de rolhas, principalmente para a indústria vitícola. E não se usam só rolhas em cortiça unicamente para rolhar as garrafas, mas também porque as características físico-químicas da cortiça são as ideais para a conservação das características organolépticas do vinho.
Ao se abdicar da utilização de rolhas de cortiça entramos no início de uma cadeia que levará à extinção do Sobreiro, uma vez que, e de uma forma simplista:
1) a indústria corticeira baixa a produção de rolhas baixando os seus lucros;
2) menos cortiça é usada;
3) mais sobreiros ficam ao abandono;
4) a recolha da cortiça não é feita;
5) as pragas e doenças do sobreiro acabam por tomar conta dos mesmos; e
6) os sobreiros acabam por morrer.
Posteriormente, a longo-prazo, e tal como aconteceu e acontece no norte do país, as florestas autóctones de carvalhos dão lugar a plantações em massa de pinheiros e eucaliptos. 

E de uma coisa tenho quase a certeza: nunca iremos ser conhecidos no mundo pela qualidade da nossa cola ou de outros produtos que tenham a resina como matéria-prima principal. Portanto, é tempo de inverter, de uma vez por todas o título deste post para: “da resina à cortiça, da cola à rolha”.

4 comentários:

Paulo Freixinho disse...

Apoiado!...

Organoléptico: diz-se das propriedades dos corpos que impressionam agradavelmente os órgãos dos sentidos...
;-)

Um abraço,
PF

_ricards_ disse...

Muito bem explanado!

Aqui só não sei se há o Negral e a Carvalhiça.
E acabei de ouvir uma Coruja-das-Torres! Fascinante!

A 30km sul de Coimbra.
Não somos propriamente alentejanos, raianos ou estremeños, mas já fizemos um projecto trans-fronteiriço c Botija, Cáceres. Estranho. #OMundoÉPequeno

O ovo estrelado disse...

...andas a ler muitos EIA!!...mas está bem!!o importante é simplesmente não adquirir garrafas de vinho de marcas e/ou origens que não utilizem rolhas de cortiça!! Cá em casa, existe uma regra de outro, garrafa de vinho sem rolha de cortiça,é qualquer coisa que não vinho!

João Hartley disse...

Ando a ler muitos EIA? Mal fora que não lesse o que escrevo....